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PEC 186

Efeitos para o Serviço Público

É preciso fazer um último alerta.
A nossa Constituição permanece em risco.
 
 

   O serviço público profissional, essencial ao conceito de República e à concretização dos direitos fundamentais e sociais, está em risco de morte.

 

   Em risco a Constituição pelo processo violento de sua transformação no pico da maior crise sanitária, econômica e social da história brasileira. Estamos sobrevivendo a um período em que as portas do Congresso Nacional estão fechadas ao povo. Povo que não pode ir às ruas manifestar-se, sob pena de se oferecerem em sacrifício a um vírus que ceifou a vida de 270.000 brasileiros em um ano, quase 2.500 na última quarta-feira. Apenas na Câmara dos Deputados 21 assessores padeceram, três senadores estão internados. O Brasil está, de fato, vedado de exercer o direito de reunião. A Capital Federal está sob toque de recolher noturno. Sob qualquer ponto de vista, estamos sob um Estado de Sítio velado, a democracia está amordaçada, o que per se veda a alteração do texto constitucional, na forma do art. 60, §1º, da Constituição. O debate democrático está terrivelmente limitado, o que reduz a legitimidade do poder constituinte de reforma.

 

   Em 2020 fizemos uma alteração constitucional para atender a verdadeira emergência. O COVID-19 era fato novo, e a Emenda Constitucional 106 não afeta o texto permanente da Constituição ou limita direitos, reforça o poder do Estado de cumprir sua missão de acudir seu povo em momento de crise. De outro lado, a PEC 186/19, que nada traz de emergencial, cria novo e draconiano regime fiscal, destorce o texto permanente da Constituição, sem que seja realizada uma única audiência pública sobre o texto em debate.

 

   O texto hoje em discussão congela o serviço público brasileiro em quatro hipóteses: proporção entre despesa corrente e receita corrente, estado de calamidade, proporção entre despesa obrigatória e despesa primária e qualquer hipótese prevista em lei complementar de sustentabilidade da dívida. Isto nada tem de emergencial que justifique a velocidade de discussão.

 

   Autuados estes gatilhos não se pode criar cargo, contratar servidores por concurso, reajustar remunerações mesmo pela inflação, corrigir estruturas, ampliar despesa continuada. Ficam preservadas apenas as contratações de militares, terceirizados, temporários e cargos de confiança.

 

   Ou seja, é a precarização e militarização do país. É uma deformação da administração pública. O serviço público perde seu caráter contínuo, se torna eternamente provisório. Será desempenhado não por técnicos imparciais, mas pelos apadrinhados contratados sem o devido concurso público.

 

   O crescimento das demandas sociais decorrentes dos anos de crise que ainda virão, serão confrontados por um estado débil, sem uma burocracia organizada, dependente de prestadores de serviço de ocasião e cujo orçamento terá como pedra angular o pagamento dos juros da dívida pública.

 

   Isto levará a um ambiente de redução do investimento público nos direitos sociais – saúde, educação e assistência social – os verdadeiros promotores do aumento da produtividade e do desenvolvimento econômico e social, o que impedirá a retomada mesmo da capacidade de pagamento da dívida pública. O resultado é mantermos a trajetória de empobrecimento do Brasil, que deixou o grupo das 10 maiores economias do mundo após quatro anos de suicídio fiscal.

 

   E não se diga, por fim, que este é o único caminho para a retomada do auxílio-emergencial e das medidas de combate à COVID-19. A PEC 186 encarta um auxílio reduzido e limitado, insuficiente para a resposta à crise. Muito mais eficaz seria a retomada do orçamento de guerra (EC 106) e nova declaração do óbvio, ainda estamos em calamidade pública nacional decorrente do COVID-19, reeditando o DL 06/2020.

Enquanto o Brasil discute regras fiscais, os Estados Unidos aprovam um estímulo econômico de 1,9 trilhão de dólares – medidas semelhantes ocorrem em todo o mundo.

 

   Vivemos a crise do século, um momento atípico. É para suportar estas crises que o Estado existe. Para financiá-las que existe a dívida pública, o nunca regulamentado imposto sobre grandes fortunas, o empréstimo compulsório, o crédito extraordinário, todas ferramentas previstas na Constituição de 1988. Não precisamos e não podemos deformar a Constituição Cidadã em um momento de democracia enclausurada.

 

   Senhoras e Senhores Parlamentares, a sociedade brasileira clama pelo arquivamento da PEC 186/19, que o Brasil possa ter forças para enfrentar a crise e superá-la.